segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Poema 43


Sobre o Mundo

A espantosa realidade das cousas/
É a minha descoberta de todos os dias.
Alberto Caeiro
Tenho cuidado
pra não deixar minha alma
falar muito alto e atrapalhar o ritmo
com que tudo, desde o Início, se mantém.

(não me julgues: também
as flores são borboletas que
decidiram não ir mais além)

Meu coração só bate quando arranco uma parte
de algo ou de alguém e ponho em mim:
sou de tudo que existe no mundo
um voluntário refém.

(por Filipe C.)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Poema 42

Olá!
Já expliquei aqui, neste nosso espaço, que poucas vezes a voz lírica dos meus poemas se confunde com a minha própria voz. Pra mim, a poesia é o momento da fantasia, das vidas que eu não vivi ou das que eu ainda vou viver ou das que eu vivo pelos outros. O poema de hoje, no entanto, é diferente. Talvez a tessitura não esteja tão boa. Talvez a mensagem não esteja tão bem trabalhada. Mas foi o que eu quis escrever. Ainda esta semana, eu publico aqui um outro, no estilo dos que vocês já se acostumaram a ler. Hoje, com a sua licença, vai este aqui.
FELIZ NATAL!

Sobre o Natal

A memória dos meus dias de criança
bate mansa hoje à minha porta.

Já não me importa mais ganhar brinquedos:
embora creia ainda ser um menino
(pois tenho medo de crescer sozinho),
não perco o sono, nem acordo cedo
na manhã de Natal, à busca do rastro
de um improvável Papai Noel.

Tudo de que eu preciso pra ser feliz
é ter as mãos sempre sujas de giz,
cuidar da minha família e dos meus amigos
(na terra e no céu)
e poder brincar com o lápis
num pedaço de papel.
(por Filipe C.)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Poema 41


O poema de hoje é bem antigo... O estilo, inclusive, é diferente... Espero, no entanto, que seja também do agrado de alguns de vocês!
Boa semana a todos!

Sobre Preços

Quanto custa a paz, o sonho
(a paz do sonho),
o impulso, o orgulho?

(e pular teu muro sem fazer
barulho quanto é que custa?)

Quanto custa ter um prato de arroz com feijão,
segurar a mão da pessoa amada,
passar o dia todo na rede,
pendurar um quadro lindo na parede,
encontrar um lugar escondido pra pensar,
abraçar a noite, a estrela, o mar?


(será que o custo depende
da aparência do embrulho?)

Me diz quanto é que custa...

Quanto custa o trabalho, o tempo
(trabalhar o tempo),
o empenho, a busca?

(e o teu abraço,
que tudo cura, quanto é que custa?)

Que vale mais?
Um inesperado beijo,
o sorriso de uma criança no recreio,
torcer pelo Flamengo no Maraca cheio,
um cafuné, o cheiro quente do café,
beber com os amigos, fotografar um sorriso,
acordar tarde, acabar com a saudade,
ou ganhar uma promoção justa?


Me diz quanto é que a vida custa...

(por Filipe C.)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Poema 40


Sobre Bonecas

A boneca de pano,
mesmo depois de anos
esquecida num canto,
ainda não consegue cair no sono...

(será que ela ainda espera um campeão
vir libertá-la das suas amarras
feitas com fios de algodão?)

Minha boneca de pano,
deixa-me hoje te embalar
ao som do meu coração:

também eu não durmo porque
tenho medo de entrar no escuro
que desperta a solidão...


(por Filipe C.)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Poema 39

Sobre Pipas
"Hold me closer tiny dancer"
Elton John
Eras a só minha bailarina,
quando a nossa caixinha
de música emudeceu...

Eras a só minha última figurinha,
aquela que ninguém mais tinha,
quando meu álbum se perdeu...

Sei que devia ter me acostumado
a só brincar sozinho, para evitar o perigo
de alguma coisa desse tipo novamente acontecer...

Mas ainda hoje
(mesmo sem te encontrar
em nenhuma parte)

empino teu mais que lindo sorriso
no céu da minha imensa saudade.

(por Filipe C.)

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Poemas 37 e 38


O poema 13 (Sobre Travessias) foi um dos mais controversos que eu já publiquei aqui. O que poucos sabem, no entanto, é que esse poema contém elementos de um outro, mais antigo, que eu tinha escrito. Como o trabalho tem me consumido muitas horas, resolvi publicar a versão mais antiga para não deixar o blog vazio esta semana. Aproveito para deixar um outro poema "velhinho", mas que tem um grande valor sentimental para mim. Boa semana a todos (e torçam pela minha sobrevivência)!


Sobre Seus Olhos

Tarde demais para esquecer seus olhos...
Eles são tão doces e radiosos,
que estavam postos na minha memória
antes de a nossa história acontecer...

(Quando a imagem dela tudo invade,
e toma conta deste coração,
que ainda bate, não resisto ao sonho,
e abraço bem forte essa saudade...)

Ai, quem me dera fazer dessa espera
algo mais que todo esse falar baixo,
que toda essa esperança secreta...

Poder dizer ao mundo que só quero
abrir os braços, cantar sua chegada,
olhá-la, e não ter que dizer mais nada...


(por Filipe C.)


Sobre um Fim de Tarde

Na vida, não há chegadas nem partidas...
O que há são longas e penosas travessias
a que estão sujeitas as nuvens, as lágrimas, os dias.

Submetidas a essa condição, as coisas
(inconscientemente)
teimam, insistem, lutam
e existem.

Algumas, para isso, se agarram às nossas calças
(ou às nossas almas)
(ou aos nossos colos)
(ou aos nossos olhos).

Outras
(as mais perversas e perigosas)
arrancam de si próprias cânceres
realizam os mais complicados transplantes
e sobrevivem, travestidas de lembranças
que amanhecem num fim de tarde qualquer...
(por Filipe C.)

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Poema 36


Sobre Gavetas (ou Gaveta de Guardados)

Na minha gaveta de guardados,
deixei todos os retratos,
todas as cartas e recados
(que você nunca me deu).

Escondi tuas amantes,
esqueci teu jeito errante,
esse teu jeito tão distante
(de quem nem me conheceu).

Larguei lá meus desatinos,
meus olhos, teu sorriso,
meus sonhos, teus carinhos
(todo amor que não valeu).

Fiquei só com esse meu medo,
com teu nome, meus receios.
Fiquei só com esse segredo
(esse silêncio todo meu...).


(por Filipe C. / musicado por Priscilla Frade)

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Poemas 34 e 35


Sobre Medidas


Pudesse eu medir
meu mundo com as tuas mãos,

e (ainda assim) enxergar
as chuvas e as flores
como elas realmente são.

(por Filipe C.)


Sobre Mergulhos

Quando, à minha volta,
o escuro faz tudo mais naufragar,

eu mergulho no tempo, nado
e invento como tudo poderia ser.

(abençoado é esse momento
que me leva até você)
(por Filipe C.)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Poema 33


Sobre o Mar

“Navigare necesse; vivere non est necesse”

Navego meus olhos
com o fim de tarde ao colo.

(em que portos
estarão minhas memórias?
os meus amores? os meus irmãos?)

Ancoro meu horizonte
com qualquer barbante:

há dias em que o mar todo
cabe bem nas minhas mãos.

(por Filipe C.)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Poemas 31 e 32

Há cerca de um mês, duas pessoas que sequer conheço, mas que freqüentam este blog, resolveram me escrever para "desabafar" (nos termos de uma delas) algumas de suas questões pessoais. Respondi a elas da melhor maneira possível e hoje nem sei como tudo ficou em suas vidas. O fato é que os dramas humanos são objeto poético e, por isso, a história delas foi transformada nos poemas a seguir. Boa semana a todos!

Sobre a Terra
"faço o melhor que sou capaz
só pra viver em paz"
Marcelo Camelo

Ah, quem me dera
derramar-me sobre a terra
e ser dela antes grama que flor.

(meu destino não é ser colhido:
é servir de abrigo para o orvalho
escondido que o sol nunca secou)
(por Filipe C.)

Sobre Expectativas

I

Por viver de expectativas,
acostumei-me a conservar
fechado o meu diário de viagem.

(adiei-me à espera do vento certo para navegar)

II

Por colher (no dia a dia)
mais fantasias que memórias,
talvez hoje pudesse até rasgar minha vida

(confuso rascunho de uma história nunca escrita)
(por Filipe C.)

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Poema 30


Sobre Cicatrizes

Não pudeste ser
o meu refúgio, a minha mina escondida;

foste antes o palco iluminado em que
se apresentaram sonhos, medos e feridas.

Para te lembrar, não precisarei de retratos:
bastará olhar o meu próprio peito com cuidado.

(serás sempre a minha mais linda cicatriz)

(por Filipe C.)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Poema 29


Sobre Costumes

Nem o luar, nem as estrelas:
as luzes, antes acesas,
todas se apagaram.

(foi por medo ou por cansaço que
eu fiquei tantos anos ao teu lado?)

Deito vestido
para que acredites
no meu sono fingido
e não te chegues tão perto.

(meu corpo não estranha mais o teu,
mistério já resolvido por completo)

Cuidaste sempre tanto
de mim (e dos meus desastres)
que, se hoje te beijasse, cometeria incesto.


(por Filipe C.)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Poema 28


Sobre Folhas

Na suave folha
que corta o vento,
tento (sereno) me segurar...

(moro em castelos
de areia, ilhas, poemas:
sei que assim será sempre
um problema conseguir me encontrar)

Mas, ainda que a minha vida
seja uma tola ilusão,
entrego a ela (mesmo sozinho)
todo este meu coração.


(por Filipe C.)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Poema 27


Sobre Frutos

Deixa, então, que o amor amadureça,
mas (é bom que não esqueças)
estejas atento a qualquer surpresa...

(qualquer vento que acaso me mereça,
poderá, de repente, me balançar inteira)


(por Filipe C.)

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Poema 26


Sobre Jardins

Por que não estás aqui, ao pé de mim,
pra dividir o peso deste jardim
sem flores que ora vejo?

(é só no teu rosto, e não em outro,
que eu consigo encontrar sossego)


(por Filipe C./ adaptado e musicado posteriormente por Jessica Nogueira)
*"ao pé": junto a; perto de

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Poema 25


Sobre a Beleza

Sei que quando você passa
o mundo inteiro pára
(porque ele é todo seu).

É claro que admiro o que há de lindo
e admito que é impossível
não ficar à sua mercê.

Mas hoje não quero mais seu rosto,
nem seu corpo, nem aquilo que todos
sem esforço podem ver:

quero esse seu jeito tão meigo;
quero esse seu silêncio perfeito
de quando nada se precisa dizer;
quero seus planos, segredos, medos e afins;

e quero pra sempre essa sua alma
(conto de fadas) calada, colada junto a mim.


(por Filipe C.)

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Poema 24

Eu e meu avô nascemos no mesmo dia, 22 de maio, com 55 anos de diferença. Minha mãe diz que me pareço bastante com ele: o jeito de falar, o jeito de olhar, o jeito de pensar. Convivemos pouco. Há quase vinte anos ele se foi. Outro dia, remexendo em velhos papéis, ela encontrou um caderno de poesias dele e me entregou. Minha avó disse-me que nunca soube da existência desses textos, e que nem sabia desse seu talento.
Não sei ao certo se era vontade dele um dia ver seus poemas lidos; mas, se somos mesmo parecidos, acredito que sim. Por isso, deixo aqui hoje um texto dele e, em seguida, um meu. Os estilos são bem diferentes, embora os temas sejam basicamente os mesmos.
Vô Couto...

Que Adianta

Que adianta dizer que estou sofrendo,
que me alimento mal, que não durmo enfim...?
Que adianta dizer isso, se não me estás vendo,
se agora nada, nada podes fazer por mim...?

Que adianta dizer que a noite é fria,
que a solidão me atormenta a alma,
se não vens tirar-me desta agonia,
se não vens me dar, querida, a calma...?

Que adianta odiar, me jogar ao chão,
quebrar tudo que ficar perto da minha mão,
maldizer a sorte...que adianta enfim...?

Por isso é que me vêem triste e calado:
que adianta tornar-me um revoltado,
se agora nada, nada podes fazer por mim?

(por Alceles da Silva Couto)

Sobre Esperas

A estrada vai além do que se vê
Marcelo Camelo

Não venha me dizer que vai ficar tudo bem:
ninguém tem o poder de decretar
céus azuis com borboletas coloridas
a voar entre escalas e melodias.

Não me peça fé ou paciência:
você sabe que as esperas podem ser
terríveis tragédias se o futuro
é feito de matéria escura e incerta.

A verdade é que não sei mais
se essa (talvez breve) despedida
torna esta minha vida
curta ou longa demais;

sei que, quando miro o espelho,
percebo que o tempo
já me sega com sua faca fina e fria

(e o sangue que dos meus olhos escorre
esconde até a primeira luz do dia)

*segar: cortar em tiras ou fatias delgadas; pôr termo a; acabar com.

(por Filipe C.)

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Poemas 22 e 23

Separados por exatos três anos, os dois poemas abaixo tratam do mesmo casal, do mesmo relacionamento. Obrigado pelas quase duas mil visitas em menos de três meses e pelos comentários constantes! Boas leituras!

Sobre o Céu

Porque o céu são diamantes exatos,
frios e distantes, ponho meus olhos
ainda estanques sobre a terra.

Porque na terra não há mais
que folhas derramando lentamente
na estrada o seu fim, ponho meus olhos
(assim tristes, assim fatigados) sobre mim.

Porque em mim só vejo o escuro,
duro fundo de uma alma sem rumo,
Ponho meus olhos sobre ti.

(e fico...)


(por Filipe C.)
Sobre Tolices

Porque não conseguia mais dormir,
esta noite destruí suas fotografias,
seus presentes, suas poesias.

Porque já não suportava mais
me sentir desse jeito, arranquei do peito
todos os meus planos (perfeitos)

e exigi do meu coração que se desse ao respeito
e não aceitasse nunca (nunca) nenhuma
lembrança maluca que você pudesse oferecer.

(mas esse quarto escuro, essa cama vazia
são tristes subornos que a minha
saudade bandida insiste em receber)

(por Filipe C.)

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Poema 21


Sobre Confissões

Guardo cada um dos teus beijos
debaixo do meu travesseiro.

(assim, quando o céu se põe,
e meus olhos não estão mais acesos,
ainda brinco com todos eles em segredo)


(por Filipe C.)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Poema 20


Sobre Balões

Balões só são bonitos
se o vento os tirar pra dançar;

se (de repente) eles subirem sozinhos,
com piruetas e rodopios e outras evoluções pelo ar;

se houver o perigo de a gente ficar
com o olhar perdido (por vidas a fio)
esperando-os voltar...

(ah, não me prendas tão forte assim, então:
todo amor só cresce de verdade
quando também é balão...)


(por Filipe C.)

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Poema 19

Sobre a Verdade
Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
Fernando Anitelli

A verdade é como um rio em que
somos obrigados a nos atirar.

De mãos dadas mergulhamos (já distantes da nascente)
e, valentes, batemos contra pedras,
nadamos contra correntes,
até que (uma hora), quando ela quase nos afoga,
nos soltamos para nos salvar.

E, assim, separados (saudade perversa),
conseguimos, em margens diversas,
finalmente respirar.

Mas enquanto você estiver do outro lado
(à distância de um grito,
esperando antes um abrigo
que o conforto de um lar),

enquanto você estiver do outro lado
(sentado, calado, sozinho,
com seus olhos tão lindos
que me mentem a dor desse lugar),

enquanto você estiver do outro lado
(com frio, à mercê da noite e dos seus perigos),

ainda há sentido em novamente mergulhar:

porque, cedo ou tarde, os rios todos passam,
e eu só tenho a vida inteira pra te amar.


(por Filipe C.)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Poema 18


Sobre Covardias

Fecha os teus olhos e escuta essa chuva
que (tão calma...) tudo inunda.


Agora escuta (atento)
o lamento do vento nos vidros
e respira fundo o frio todo que faz lá fora.

Aproveita, vai aí dentro do teu peito
e me procura naquele breve espaço
escondido entre a culpa e o desejo.

E se você, por acaso, me encontrar,
por favor, me arranca de lá...

(um coração que, por medo, não sangra
não pode nunca ser o meu lar)

(por Filipe C.)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Poema 17

Sobre Fantasias
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Chico Buarque
Não me olhe assim:
pode ser que desta vez eu não fuja e repita,
(com a alma nua) que eu só quero ser pra sempre sua.

Não me peça discrição:
meu amor não tem antes nem depois
e precisa (sozinho) ocupar o vasto espaço
que ainda existe entre nós dois.

Não me pergunte o que eu quero:
às vezes imagino ser o vento
batendo lento à sua porta
até que você possa
se abrir para eu entrar

(às vezes prefiro ser só pensamento,
invadindo seus sonhos até você acordar).
(por Filipe C.)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Poema 16

Em comemoração às mil visitas em pouco mais de quarenta dias, deixo hoje dois poemas: o primeiro que eu escrevi e o último deles, finalizado esta manhã. Qual é qual? Deixo que o leitor perceba por si. Até segunda que vem!

Sobre Ilusões

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Cecília Meireles

Nada é assim.
O céu azul, lavado da madrugada,
as crianças se divertindo com os palhaços e suas piadas
e ela, ansiosa, me esperando à entrada da nossa casa.

Nada é tão bom assim. Nada.
O dia não aceita soluções simplistas.
Há sempre uma nuvem (distraída) embaçando a vista.

E os palhaços? Bem, nem sempre o artista
pode disfarçar sua tristeza (quanta ironia...),
mesmo com quilos de maquiagens e fantasias.

E ela? Pode ser até que ela me espere à porta
da nossa casa, ansiosa - ou aflita?-,
se armando para a nossa próxima briga...

Nada devia sequer parecer tão bom assim.
Porque, às vezes, tudo acontece como deveria
(nossos sonhos, nossa vida)

mas, quando a noite chega, deitamos,
sobre fantasmas, nossas cabeças
e (mesmo à nossa revelia)
as dúvidas pululam e as sombras se multiplicam.

(por Filipe C.)

Sobre o Silêncio

Quando a tarde ouviu
O adeus na tua voz,
Ainda chovia...

Uma chuva tímida e triste...

(a mesma chuva que insiste
em te manter em mim)

(por Filipe C.)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Poema 15

Sobre Ignorâncias

Nem ninguém se lembrava da criatura
e de seus sofrimentos e de sua
atormentada vida ali deixada.
Jorge de Lima

Passei muitos anos (preso) nos meus porões (escondido),
treinando minha cara de surpreso,
ensaiando exclamações de desespero,
rezando para que você me ignorasse ou me traísse.

(às vezes acho que já nasci esperando o dia
em que finalmente poderia
te odiar)

Enquanto isso, você lá fora
ignorava esses meus silenciosos ritos
e com todo o amor que eu não te dei na vida
devagar me tecia
o mais belo luar.
(por Filipe C.)

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Poema 14


Sobre o Pânico
Ladrões e contrabandistas
estão cercando os caminhos
Cecília Meireles
Carrego em cada bolso uma saudade,
mesmo que haja ladrões em toda parte,
e eu não tenha olhos para vê-los...

(o medo, no entanto, me permite senti-los
caminhando exatamente na minha direção)

Nem a luz do dia me alivia:
em cada sombra, ainda que distraída,
mora o perigo de um espanto.



(por Filipe C.)

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Poema 13


Sobre Travessias
É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
pensamento atribuído a Fernando Pessoa

Sei que muitas vezes temos que esquecer
nossos caminhos, porque senão sempre
chegaremos em desalinho aos mesmos lugares.

Sei que é preciso esquecer as velhas roupas:
elas já têm o formato dos nossos corpos
e sufocam os nossos esforços de transformação.

Mas sei também
que é tarde demais para esquecer seus olhos...

(eles são tão doces e tão radiosos,
que estavam postos na minha memória
antes de a nossa história acontecer...)


(por Filipe C.)

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Poema 12


Sobre Lágrimas
Vamos, não chores.../ A infância está perdida.
A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perdeu
Carlos Drummond de Andrade
Chora baixinho, que desespero
não é coisa de se espalhar por aí...

(também eu tenho guardado alguns segredos:
arrependimentos – ou ressentimentos? – das coisas que já vivi)

Não quero que a nossa vida seja um livro aberto:
Só nos unimos quando sofremos sozinhos,
só nos amamos quando não fazemos o certo.
(por Filipe C.)

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Poema 11


Em uma semana, este blog, que mal completou dois meses, teve mais de duzentas visitas de computadores diferentes. Nunca imaginei que uma página com poesias pudesse ter um alcance tão grande. Muito obrigado pelo carinho, pelo respeito, pelos comentários críticos e positivos, que espero poder merecer sempre.

Sei que hoje é véspera do dia dos namorados, e que, por isso, o poema desta semana deveria falar de passarinhos voando placidamente por céus de puro anil... No entanto, preferi atender ao pedido de um grande amigo meu, que, ao ler o poema da semana passada, me perguntou de uma forma tão ingênua quanto direta:
quando você escreveu o poema, você também pensou por que esse cara largou a mulher? O poema desta semana é uma resposta a você, meu caro, e a todos que talvez tenham se perguntado por isso. Boa semana a todos! Até segunda que vem!


Sobre Tempestades
Parto porque é dia e eu sou a luz
da última estrela.
Christina Ramalho
Entenda bem: não é minha intenção te fazer algum mal...

(afinal, que culpa você tem de não colher os frutos,
enquanto eles ainda estavam maduros,
enfeitando as árvores nosso quintal?)

Se hoje eu decido caminhar, não é por orgulho
ou por falta de tanto amar.

É porque, a esta altura, já se acalmou o mar,
e eu preciso da tempestade,
para imensamente naufragar.



(por Filipe C.)

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Poema 10


Sobre o Futuro

A timidez dos seus livros, o silêncio
das suas roupas, a despensa vazia...
nossa casa me sussurra a sua partida.

(é tão difícil acabar com o segredo
e explicar pro nosso espelho
que ele não vai mais te encontrar...)

Nesse tempo todo, você sempre
me ensinou até onde eu posso chegar...

Mas agora, mirando este quarto escuro,
sinto que preciso desaprender tudo,
para, sozinha, conseguir me libertar.




(por Filipe C.)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Poema 9


Sobre Despedidas

Era ela (só ela...) quem povoava
meu mundo quando a noite vinha apagar
as cores e os perfumes de todas as flores.

Era ela (meu deus...era ela...) quem tecia
metros e metros dos sonhos (que eu vestia),
e das palavras (que me criavam lindas fantasias).

Foi ela quem rabiscou a minha identidade,
brincou de esconder com os meus olhos,
pulou corda com a minha sanidade...

Mas, um dia , esqueceu-se da minha voz, das minhas carícias,
perdeu meu endereço, jogou fora minhas camisas,
apagou as marcas do meu corpo, rasgou as minhas fotografias,

e sumiu como uma estrela, das que se escondem ao nascer de um dia...



(por Filipe C.)

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Poema 8


Sobre Aniversários
Imagino o artista num anfiteatro
Onde o tempo é a grande estrela
Chico Buarque

Até ontem o tempo
me ditava a vida e o pensamento,
sem que eu pudesse perceber...

Só que a partir de hoje vai ser tudo diferente:
se ele quiser me enganar de novo,
vai ter que me encarar de frente
olhando no fundo do meu olho.


(por Filipe C.)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Aviso

Em função do lançamento do "Blog de Aula" no Globo, volto a postar até quinta-feira! Desculpem-me!

(Filipe C.)

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Poema 7


Sobre o Passado

Um dia, não deixaremos que o passado dance
com as lágrimas rasas dos nossos olhos...nem que ele brinque
de faz-de-conta, com o que restou do nosso espólio.

Um dia, retiraremos as máscaras que impusemos
às nossas dores e vestiremos (com orgulho) a verdade,
com todas as cores que o cinza sonha ter.

E, assim, um dia, cara-a-cara, não diremos nada:
assumiremos, convictos, o silêncio dos vazios
que nos preencheram nessa estrada.



(por Filipe C.)

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Poema 6


Sobre Perdas
The art of losing isn't hard to master
Elizabeth Bishop
porque nada na vida é definitivo
(nem a memória, nem seu sorriso),

aprendi desde cedo a trancar todas as gavetas
e a varrer pra fora de casa certos detalhes
(suas juras, seus vestígios, seus olhares).

nada nesta vida é seguro:
é sempre melhor perder de uma vez tudo
que ser refém de pequenas ausências no futuro...
(por Filipe C.)

terça-feira, 1 de maio de 2007

Poema 5


Sobre Dias de Chuva

Por entre hordas de buracos, postes e ratos,
por entre vitrines e espelhos a cada segundo multiplicados,
por entre gemidos metálicos e carros acelerados

(neles homens buzinam a vida, mas seguem calados e amargos),
passo por espaços cheios da tua figura.

(Na rua, a noite escura rouba, oportuna, todas as sombras tuas...)

A lua (ainda tímida, ainda muda) ponteia distante o céu.

E eu, fiel a minhas tolas juras,
caminho por esta chuva,
carregando meus sonhos
numa sacola de papel.



(por Filipe C.)

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Poema 4


Sobre Oceanos

Não me desespera nenhuma dor;

talvez só essa falta de ardor,
esse infinito torpor do mar que me navega;

talvez só esse branco,
triste oceano, labirinto de espera;

talvez só esse silêncio,

vazio do coração, meu pequeno navio sem vela...


(por Filipe C.)

terça-feira, 17 de abril de 2007

Poema 3


Sobre Circos

Minha cartola guardou os mais inquietos coelhos
Fiz os mais incríveis truques de espelho
Escondi na manga os mais secretos desejos
(Só pra te trazer pra mim...)

Testei todos os limites do teatro
Me equilibrei nas mais tênues cordas de aço
Ignorei medos e previsíveis fracassos
(Só pra te prender em mim...)

Mas eu, que tantas vezes me soube mágico,
Exímio domador de todos os teus passos,
Hoje me descobri palhaço
de uma platéia só.


(por Filipe C.)

terça-feira, 10 de abril de 2007

Poema 2


Sobre Fugas

Ela me disse que vivo fugindo...
Engano.
Vivo chegando aos mesmos novos e inesquecíveis lugares.

É verdade que caminho sozinho:
não preciso que ninguém me leve aos meus destinos.
Tenho meus próprios barcos de papel
minhas gaivotas de sombra
meu giz de cera
e meus carrinhos de madeira.

Ela me disse que vivo fugindo...
Engano.
De vez em quando surge alguma princesa encantada que me dá gosto salvar e cuidar...

É verdade que nem tudo é mágica:
Dou-lhe um beijo
nos consagramos os donos de todo o reino
e, num grande corcel negro, um belo dia, desapareço
(mas só assim o faz-de-conta o é por inteiro...)

Ela me disse que vivo fugindo...
Engano.

Vivo pra espantar dragões malvados
e bruxas narigudas
e nuvens feias de dentro mim

Vivo pra viver a delícia de, após cada batalha, me encontrar cansado
abatido
quase-amargo
e condecorar minha alma
com a medalha que só merecem
aqueles que para a fantasia dizem
“sim”.


(por Filipe C.)

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Poema 1


Sobre Desejos

Que hoje o seu amor não me seja sol,
pois aquilo que ora renova, ora revela,
também desorienta, arde, cega e seca.

Que hoje o seu amor não me seja sombra,
pois aquilo que me acompanha (mas não
me encontra) também me abandona quando
os olhos marejam e o mundo fica escuro.

Que hoje seu amor não me seja bússola,
pois partir sem nenhum rumo talvez
seja o destino oculto de toda viagem.

Que seu amor não seja chegada,
mas partida, e que cada despedida
conserve a gravidade e a ternura
da perda original e definitiva.


(por Filipe C./musicado posteriormente por Priscilla Frade)

Aos Leitores

É curioso que todo marinheiro saiba que nenhuma chegada é tão fascinante quanto a viagem que se realiza. Por mais bravios que sejam os mares, por mais duras que sejam as privações impostas pelo isolamento, por mais cansativas que sejam as rotas escolhidas, o verdadeiro prêmio do navegante não é o porto seguro, mas a experiência recolhida no caminho. Sugere-nos Guimarães Rosa, sabiamente, em sua obra-prima: "o saber não está nem na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". Talvez o ser humano precise mesmo de viagens para conhecer a si próprio e ao mundo que o cerca. Talvez toda viagem simbolize um renascer mais vivo e mais produtivo, tanto mais seguro quanto desafiador.
A proposta desse Blog é, por isso, (ajudar a) trilhar viagens. Trata-se de um espaço para a experimentação de formas e para o (re-) conhecimento individual. Livres de pretensões conclusivas, apresentamo-nos.