quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Poema 182

Porque existes, Amor, vigio 
e preparo meu corpo 
para te receber: 

sentidos aguçados, lábios 
prontos para que possas deitar, 
morrer, viver em mim. 

Depois do amanhecer, 
guardo tudo com cuidado, 
cada sonho num lugar. 

Despido de ti, saio ao mundo 
sem medo de ir além. 

Porque sei que existes, Amor. 
Não se vens. 

(por Filipe Couto)

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Poema 181

O povo não é feito de previsíveis ondas, 
composto pelas mesmas águas ritmadas. 

O povo mora ao fundo - de nós, do mundo - 
e pouco é ouvido por quem está na praia, surdo. 

O povo não é paisagem ou fotografia; 
é movimento eriçado, é força disruptiva. 

O povo está (acredito) em constante vigília 
e pronto para desmascarar a todos. 

Um dia. 

(por Filipe Couto)

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Poema 180

A Vida e eu - poema em três movimentos 

1. 
Nesta noite abafada de verão carioca, 
sentamos, à mesa de um bar, a Vida e eu. 

Ela (tensa) pede uma cerveja leve; eu amarga, 
e logo tentamos decifrar os pequenos sinais 
que vão revelar o que queremos um do outro. 

Sobre a mesa posta, repousa uma porção farta de memórias, 
salteadas na chapa com dor, alho, sal e alma,
enquanto os copos, com espumas e estrelas, unem céu e mar. 


2. 
Aos poucos já nos pegamos rindo à toa, 
e, de tão natural, já nem percebemos nossas presenças, 
no desenrolar dos batuques, que ecoam por ali . 

O Tempo, no entanto, vai se encarregando de nos colocar 
frente a frente, intimando-nos a dançar juntos uma gafieira 
que acabou de começar. E eu vou. 

De vez em quando erro uns passos, 
piso sem querer num ou noutro calo, 
mas ela – a Vida – continua alegre, olhando pra mim. 

Ao sentarmos novamente, exaustos, 
a cerveja amarga e as memórias já não 
nos servem mais, nem à discussão, nem ao consumo. 


3. 
Mas, na mesa ao lado, olhos fixos no horizonte, 
há uma Moça, de coração pulsante e vermelho. 
E agora é a própria Vida que me empurra e grita: 

 – Depois descansa, rapaz! 
Não perca esse coração: vá conhecê-lo! 
E, mais uma vez, mesmo sem jeito, eu vou. 

(por Filipe Couto)

sábado, 18 de janeiro de 2014

Poema 179

Há um mar em tudo que me rodeia, 
uma lua perdida no espaço, 
uma esperança que anima o horizonte 
e uma lágrima em tudo que faço. 

Nas águas que em mim e de mim correm, 
prossigo, profundamente afogado, 
à mercê dos caprichos do tempo, 
contemplando - vivo - outros naufrágios. 

Recolho os tesouros de tudo que vejo 
e os canto, quando emerjo num porto afastado. 
Depois, mergulho, de novo inteiro,
a fazer deste peito meu barco. 
(por Filipe Couto)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Poema 178

De que 
é feito o amor? 

Que matéria é essa 
de tantas camadas e texturas, 
surda às palavras que a tentam traduzir? 

Será esta a receita? 
Um punhado de receio, três gotas de instante, 
pinceladas de especiarias e segredos, 
forma untada de desejo, forno numa altura delirante? 

Pouco importa o que se ama; 
importa saber se o gosto persiste, 
verdadeiro, fiel a si mesmo. 

Porque o amor não é princípio, nem fim; 
é meio. 

(por Filipe Couto)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Poema 177

O céu de janeiro, 
no Rio, 
ora derrama azul, 
ora nos abraça cinza, 

e as mais das vezes nos embaralha a vista 
numa sucessão de púrpuras, limas e orquídeas. 

Mas o céu do Rio, 
em janeiro, 
também sabe ser negro,

cor que – lá de cima – mede faltas, distâncias, ausências 
e com que se pode matar a morte 

porque, quando não há nada, tudo se inventa.

(por Filipe Couto)