sexta-feira, 20 de março de 2015

Poema 233

Economizem água,
empresários do agronegócio:
preciso de luz em casa.


Toda vez que a apago,
acende-se um escuro
que me faz ver tudo,


e não cala
. 
(Filipe Couto)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Poema 232

Quem nunca dormiu ao lado
de um um labirinto ou de um abismo;


quem nunca chamou seus fantasmas (mortos
ou vivos) pra chorar uma sofrência desesperada;


quem nunca fez o coração de colete e se atirou
ao mar para salvar um peixe que se afogava;


todos esses estão condenados à vida de verdade.
Aos demais, resta-nos a melhor parte:


o que não existe, a vertigem, o perigo.
E aí o amigo ressabiado pergunta: "Mas isso vale a pena?"


E eu respondo de pronto: "Claro! 

É lá que mora o poema!"
(Filipe Couto)

quarta-feira, 18 de março de 2015

Poema 231

A vida não foi nem um pouco o que eu quis.
Mas, também fosse, eu não seria eu, e não
carregaria estes olhos meio vesgos,
de tanto tentar olhar dentro de mim.


(Fosse a vida como eu queria, guardaria,
ainda, um ou outro momento pra ser
bem infeliz: já me apeguei aos meus erros,
sentiria falta de remoê-los – dia não, dia sim.)


Como a vida não foi do jeito que quis
e, se fosse, não saberia enfim o que fazer,
aceito tudo de bom grado, seja o que for:


pode ser gozo ou lamento, você ou cem pedras.
"Deus dá a quem se deu", "quem não faz leva",
escolha seu ditado: um deles vai dar caldo, e não merda
.
(Filipe Couto)

terça-feira, 17 de março de 2015

Poema 230

Hoje à tarde, estava eu
de pernas pro ar, entediado, em casa,
quando resolvi arrumar meus problemas.


Joguei uns fora,
outros empurrei prum canto
e os demais fui empilhando, empilhando, empilhando.


Como a torre estivesse já alta, resolvi ver no que dava:
somei aos problemas umas tentativas fracassadas de lidar
com a vida, além de uns complexos que desde criança eu tinha.


Terminei tudo agora à noite,
e ficou bonito pacas!


Vejam, senhoras e senhores,
este meu grande monumento erguido


ao nada
. 
(Filipe Couto)

segunda-feira, 16 de março de 2015

Poema 229

Como preciso de exercício,
hoje fiz uma trilha até o alto de mim.


Não foi tão fácil quanto parece, não!
Vocês não imaginam quanto espinho, quanto
fogo, quanto frio havia no caminho que escolhi.


Era toda hora o coração gritando "Vai!",
a memória alertando "Pra que isso, chega!".
Mas consegui, amigos. Cumpri o desafio.


Não sei se meu corpo agora funciona melhor,
se consegui com isso perder alguns quilos.


Mas, acreditem, recomendo a todos esse esforço:
a paisagem lá de cima da gente é linda
. 
(Filipe Couto)

domingo, 15 de março de 2015

Poema 228*

Testando... Alô... Um, dois, três... Testando...
Tentando contato... Alguém aí?
Olha, vou falar assim mesmo, tá?
Aqui a vida não tá fácil, não...


Outro dia mesmo meu coração
pulou pra boca... Pois não é que vi
aquela maldita – tsc, você sabe
quem é – na Sapucaí? Na avenida?


Tô numa revolta que não tem fim:
ela NUNCA gostou de Carnaval,
achava tudo chato, coisa e tal....


Oi! Alô! Responde aí, por favor!
Já sei! Você tá de caso com ela!
Responde! Você não é homem! Alô?!

(Filipe Couto)
*decassílabo.

sábado, 14 de março de 2015

Poema 227

Para combater a falta d'água,
chore mais e com regularidade:
limpe sempre olhos e alma.


Para não ser feito de idiota
pelas concessionárias de energia,
conserve acesa sua luz própria.


Há uma escassez de 

tudo hoje em dia.
Até de vida
. 
(Filipe Couto)

sexta-feira, 13 de março de 2015

Poema 226

Moro numa rua sem saída, quieta,
onde não são precisos contorcionismos
para enxergar, no alto, o céu em aquarela.

No meio da noite, entretanto, acorda-me sempre
um mesmo passarinho, de voz fina e incansável.
(Agora mesmo ele me dá a honra de um concerto,
duríssimo de ser entendido e um tanto desafinado.)

Esse apelo do passarinho sensibiliza um cão, que ladra,
e logo outros cães e passarinhos, em uníssono,
esfaqueiam sem pena a madrugada.

A convulsão continua até que,
por obra de algum acordo secreto e grave,
eles param. Fundem-se à noite.

(O que houve? O que terá havido?)

Talvez eles, como eu, em algum momento
também tenham percebido o perigo de acordar a noite,
liberar seus fantasmas e tudo mais que não se pode ver,
mas que fica guardado, escondido, no silêncio de uma estrela.

Porque pode ser que da noite despertada
não haja mais volta: estaremos todos condenados
a tatear para sempre o mais escuro de nós mesmos.

E, nesse caminho, esbarraremos apenas conosco. Sozinhos.
Lá, onde não há mais nada, senão um longo infinito.
(Filipe Couto)

quinta-feira, 12 de março de 2015

Poema 225

Vou pregar na parede um retrato 
do primeiro pecado que a gente se deu. 

Vou rabiscar no meu braço 
um pedaço do sonho que a gente viveu. 

Vou, assim, criar mais espaço 
aqui dentro do meu coração, 

e guardar dentro dele uma outra invenção: 
você e eu. 

Agora pra sempre, 
como Deus prometeu.
(Filipe Couto)

quarta-feira, 11 de março de 2015

Poema 224

Querem fazer um protesto 
verdadeiramente digno? 

Peguem essas placas 
que proíbem pisar a grama, 
joguem-nas no lixo, deitem e rolem, 
embolem-se, joguem-se na relva 

e, quando chegar a polícia, 
vocês vão ver: luzes e sirenes 
até ajudarão na festa. 

Amar, senhoras e senhores, é 
hoje em dia 
o maior ato possível de rebeldia.
(Filipe Couto)

quarta-feira, 4 de março de 2015

Poema 223

Chega a noite, momento de oração: 

Quando eu por acaso te encontrar nestas ruas, 
Coisa Amada, proteja-me das tuas faces 
(coradas, vermelhas), porque elas são flores, 
e eu sou abelha: se juntas, mais que perfeitas. 

E eu sei que não me notarás: tenho uns quilos 
a mais, uns cabelos brancos e uma enorme 
dificuldade de começar um assunto com 
alguém cuja voz (tua!) silencia tudo. 

Prosseguirei meu caminho. Sem ti. Mas ainda 
te procurando ao fundo de cada garrafa de 
cerveja, em cada fim de tarde que apareça. 

Já me embriaguei demais nesta vida, Coisa 
Amada, principalmente de poesia. E não 
posso continuar desse jeito, nesse 

desespero... Passa longe de mim. Agradeço. 
Que assim seja.
(Filipe Couto)