domingo, 27 de julho de 2014

Poema 193

Meu dia é longo, como a tua ausência:

caminho numa sucessão de sóis sem fim, 
com pés cortados por espinhos de memória, 
rumo a um sonho que sempre se afasta de mim. 

É que tens, Amor, todas as estrelas nos olhos, 
e luas e cantigas no teu doce colo. 

Sem ti, não adormeço, nem amanheço. 
E nem sei se existo.
(por Filipe Couto)

sábado, 26 de julho de 2014

Poema 192

Ainda agora 
(ainda agora, amigos meus) 
foi-se embora alguma coisa de mim. 

Não deixou bilhete, nem grito: 
apenas vazio (seria abismo?) 
e um sábado, de coração aflito. 

Sei que levou consigo algo mais, 
algo precioso, que ainda não percebo, 
mas sinto. 

Por isso, tranco portas e janelas, 
ergo fossos e muros, 
apago sol e lua: 

Numa outra fuga, podem me levar tudo, 
e não restar nada de mim mesmo. 
Ou dela. 
(por Filipe Couto)

sábado, 19 de julho de 2014

Poema 191

Certa vez, arrumando meu sobrinho, 
ajudei-o a colocar uma camisa 
antes que ele fosse embora. 

A camisa já era pequena; 
menor ainda a gola. 

E, por alguns segundos (mínimos) fiquei sem ver seu rosto 
e vi seu esforço para emergir do escuro 
que eu, para protegê-lo, havia imposto. 

Pensei tê-lo machucado, arranhado, 
e nervoso pedi desculpas e repeti quanto ele era amado. 

Sei que você, que me lê, 
deve estar pensando "quanto desespero 
por um troço tão bobo..." 

E eu te pergunto, amigo, 
quando se ama, como não ser louco? 
(por Filipe Couto)

domingo, 6 de julho de 2014

Poema 190

Depois de tantos anos confiando em Deus
e em sua infinita sabedoria,
eis que a Vida me reserva uma noite de sábado,
com estrelas, mas sem Amor; com céu limpo, mas sem poesia.

A lua, dura e curva, hoje mente:
aguça os sentidos (cheiro, peso, cor) e me deixa sozinho,
sem destino, sem equilíbrio, sem nada a meu lado
para comigo deitar sob tanto perigo.

De concreto, tenho apenas estas teclas
que aperto, como se delas pudesse extrair meu próprio sangue,
mas donde tiro apenas palavras, que circulam
o buraco negro que carrega meu nome.

Palavras que somem no extremo instante,
deixando-me a ilusão da companhia,
e o silêncio de mais uma noite.

Um silêncio que hoje é mais denso - muito mais denso -
do que jamais fora antes.
(por Filipe Couto)