Será que em algum lugar do mundo
há alguém a pensar o mesmo que penso agora?
E de que adianta pensar,
se nenhuma palavra traduz o que cala?
Existe um tempo em que só se colhe
o que não se plantou:
o desejo (preso) manda beijos, abraços
e despeja (para todos os lados)
em vez de fábulas,
mágoas;
em vez de final feliz,
a vida sem sal que (burramente) se quis.
(por Filipe Couto)
Li no jornal que amanhã talvez dê praia,
e ouvi meu horóscopo no rádio: "Geminianos, fiquem animados!
Grana alta e mulher amada vão surgir num piscar de olhos!"
Era dia de consulta com a terapeuta,
e ela me garantiu que, sim, a felicidade existe,
que a vida é uma beleza e que estou no caminho certo para tê-la.
Na volta pra casa, não peguei um sinal fechado.
Estacionei o carro, desci para comprar um guaraná gelado
e vi no poste um cartaz em que estava sentenciado:
"Mapa astral, leitura de mão, jogo de búzios,
apelo ao santo: é tudo a mesma merda.
Ninguém adivinha o que a vida nos reserva.
Por isso, amigo, não ouça ninguém, não compre barulho,
não acredite em promessas: não existe destino ou futuro.
Acredite: amanhã, o que pintar é lucro!"
Agora, já no quarto, tomando aquele uísque
doze anos reservado para festas, rasguei a última foto dela
e escondi a esperança num poço; num poço sem fundo.
E, amanhã, poeta do poste, garanto:
meu dia será maravilhoso.
E único.
(por Filipe Couto)