1.
Era ainda alta a madrugada
quando, num barco, se posta
à minha frente um tigre-de-bengala.
Ciente de sua força, ele marca
seu espaço: rosna, avança, grita,
como se eu já não estivesse apavorado.
2.
Como dividir um barco com um ser,
sem que se possa conhecê-lo ou tocá-lo?
Um tigre é antes distância e deserto:
mesmo perto, não se pode alcançá-lo.
3.
Existe um fascínio macabro naquilo
que não se pode ter, nos olhos a serem
decifrados, nos pelos sempre eriçados,
naquilo que
em vez de nos matar
nos deixa cruelmente paralisados.
4.
E perdemos tanto tempo e tanta vida
com esses tigres que se postam ao nosso lado
que esquecemos que nos sustenta neste mar
a inefável leveza de um barco.
(por Filipe Couto)
Um comentário:
Filipe,
A história em si é carregada de lirismo. Convertê-la em versos não é uma tarefa simples, mas, com o seu talento, ficou muito bom. Parabéns!
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