segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Poema 212

Não estava à beira do abismo 
quando você me encontrou: 

pelo contrário, planava livre sobre 
pastos verdejantes, cheios de flores. 

Mas existe em todos esse desejo 
insaciável e misterioso de pouso, 

e eu me dei inteiro, como nunca antes, 
para o cuidado delicado do seu beijo. 

Amamos juntos. Perdi a intenção do voo: 
eram meus seus olhos, era seu meu corpo. 

Seus pés e passos levaram-me consigo 
a terras que jamais havia visto. Numa delas, 

você me largou. Perdoo seu deixar de amar, 
Coisa Amada. O amor que você me deu, não. 

Não o perdoo.

(Filipe Couto)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Poema 211

Deve haver alguma palavra 
que traduza sua doçura. 

Procurei no meu peito: 
nenhuma... 

Além de você, Coisa Amada, 
em mim não há mais nada, 

senão bruma.
(Filipe Couto)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Poema 210

Estive hoje no aeroporto, 
depois de horas tentando alcançá-lo, 
para buscar algo que me mandaram. 

O coração da cidade me assusta: 
fecham-se mais e mais ruas, abrem-se tímidas vistas, 
empurram-se edifícios enormes, acima até da lua. 

A cidade se espalha, não como um rio - contido entre margens -, 
mas como um mar em ressaca - que avança sobre tudo - 
testando seus limites, querendo alcançar o futuro. 

No aeroporto, 
os painéis apontavam horários e destinos 
(lazer, negócios, outros compromissos),

 e nenhum trazia meu nome: 
"Filipe Couto, 9h, Outro Lado do Mundo, 
 embarque neste segundo". 

É que não sinto nenhuma viagem aqui dentro.
Se trocasse de vida, ela teria a mesma forma: 
continuaria essa coisa meio morna em que me vejo. 

E muito mais que a cidade 
é isso que me toma de medo.
(Filipe Couto)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Poema 209

Hoje, no restaurante, 
um casal em silêncio 
(bocas preguiçosas comendo). 

Eis que erguem os olhos e dizem 
um ao outro, ao mesmo tempo: 
"- Gostou?" 

As palavras se encontraram entre eles, 
se amaram até chegar aos ouvidos 
e se transformaram depois em sorrisos. 

Essas palavras de hoje, 
entreouvidas e vistas no restaurante, 
jamais saberão que foram como nós dois: 

almas gêmeas por um instante.
(Filipe Couto)