quarta-feira, 19 de março de 2014

Poema 183

Cláudia da Silva Ferreira 
era a Cacau. 

Mãe de oito filhos: 
quatro de seu ventre, 
quatro outros que seu coração generoso 
(maior que o meu, maior que o seu) 
felizmente acolheu. 

Tinha emprego, CPF, 
RG e sonhos 
(como eu, como você). 

Tinha também seis reais, 
três para o pão, 
três para a mortadela 
(menos que eu, menos que você), 

mas não teve tempo para cruzar 
as ruas da cidadela em que vivia, 
onde gritos e tiros são fiéis companhias. 

Cláudia da Silva Ferreira 
era 
para aqueles polícias 

menos importante que um criminoso, 
um traficante. 

Há muitas Cláudias que surgem e somem, 
como cometas de sangue rasgando o céu do Rio. 

E mesmo estarrecidos, só contemplamos - passivos - o espetáculo, 
sem entender direito seu roteiro, seus atores, o drama, a trama, 

enquanto aguardamos - bovinamente - a próxima sessão da semana.
(por Filipe Couto)