quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Poema 160

A palavra e o sentido

Sobre a mesa já velha e cansada, pousa o poeta
papel e silêncio.

À espera do verso, busca 
aquelas memórias mais tímidas (e se diverte com elas). 
Então, ele puxa dali um fio de história e a desenrola até poder 
amarrar um sentido.

Mas poesia não é sentido.

A poesia não está no tijolo sobre tijolo (previsível edifício,
como a nossa vida bovina de ração, reprodução e rotina).

A poesia só acontece quando um pássaro

foge, 
             sem asas, 
                                 de um poente em chamas;

ou quando se tenta pregar 
                                          o curso de um rio 
ou quando uma pedra 
                                          por ele se encanta.

Cabe ao poeta desamarrar o sentido,
e repousá-lo num escuro tão escuro 
             que é claro e vivo.

Pois só assim também ele pode despertar 
das lembranças e plantar noutro terreno (talvez)
aquele seu primeiro beijo e logo
recolher seu sumo, não por inteiro,

mas até estar forte para 
conseguir respirar apenas silêncio

e enxergar, sem surpresa, 
naquele pouso do papel,

uma boia a salvar a mesa.
(por Filipe Couto)


Um comentário:

Carlos Bianchi de Oliveira disse...

Pousar papel e silêncio...

Como não admirar o que a inspiração e o talento são capazes de produzir?

Parabéns, Filipe, pela forma e pelo conteúdo.

Um grande abraço.