domingo, 30 de novembro de 2014

Poema 208

Final de tarde, 
desses em que mar e sol 
se encontram num suave beijo: 

o céu ruborescido 
e a água levantando asas 
numa praia do Rio de Janeiro. 

Tudo quase tão perfeito 
quanto teu cabelo solto 
ao sabor do vento 

fazendo-te virar o rosto 
para me ver inteiro: 

alma e corpo acesos.
(Filipe Couto)

sábado, 29 de novembro de 2014

Poema 207

Einstein disse que sou louco. 
(Sim, conversei com ele há pouco...) 

Tento e tento e tento 
sempre de novo, sempre do mesmo jeito, 
só com mais esforço, 
e não a tenho a meu lado. 

Nietzsche me contou outra história. 
(Ele apareceu agora pra um bate-papo no café...) 

O acaso existe e é com ele (por ele?) 
que se movem os pés na dança 
das estrelas, dos sonhos, da pele: 

com sensatez, não há festa. 

E agora? 
Se louco, sozinho; 
se sensato, num mundo chato? 

Amigos meus, 
o que será deste sábado? 
(Filipe Couto)

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Poema 206

A vida tem prazo, 
e não é de validade: 
há vidas longas e pequenas; 
outras curtas e imensas. 

A vida tem prazo, 
e só não se perder pelo caminho 
já é um milagre. 

E, se a vida tem prazo, 
manter as veias acesas sem propósito, 
ter um corpo sem uso, um coração sem pulso: 
eis a receita perfeita para um desastre. 

Mas ter um gosto de lágrima que resiste, 
ou de um beijo que (ainda) inexiste, 
ou de um carinho que passou... 

Talvez, amigos, talvez isso nos salve. 
(Filipe Couto)

domingo, 16 de novembro de 2014

Poema 205

Poeminha pra tarde de sábado com chuva

Deve haver formas 
menos duras de se expor 
ao ridículo... 

Mas, não... 

Sou desses que deixa 
o coração (logo ele!) todo à mostra, 
pagando mico...
(Filipe Couto)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Poema 204

Sou pouquíssimo esperto para o mundo cibernético: 
clico onde não devo, troco teclas, interrompo conversas... 
nem ler todos os meus emails eu consigo. 

Só fico à vontade mesmo quando estou apenas comigo. 
Sozinho em frente à tela - a folha do word aberta -,
derramo um pouco do meu dia em palavras, em ideias. 

O silêncio me escuta bem e sabe o que eu sinto. 
E, nesse instante, não sou mais um completo imbecil 
tentando conectar meu computador à rede wi-fi interna: 

sou poeta.
(por Filipe Couto)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Poema 203

Nossa Fotografia (poema em três movimentos) 
1. 
Esta fotografia de nós dois, 
emoldurada naquela janela infinita - que você mesma fez, 
com ripas de madeira e tinta - assombra-me os pesadelos, noite e dia. 

Lembro que o fotógrafo fitou-nos por longos instantes, sem bater: 
pode ter sido a falta de jeito com a sua máquina, 
pode ter se confundido com aquele céu azul, tão domingo, 
pode ter ficado bobo com seu sorriso, 
ou até com meus olhos - a seu lado tão vivos. 

Nunca vou saber. Mas, cá entre nós, é preciso? 

A revelação cuidadosa (as revelações não devem ser sempre assim?) 
e a química envolvida traduziram com perfeição no papel a cena: 
lá estamos nós de novo, sob o céu mais que azul, 
seus lábios e meus olhos rindo, como se fosse domingo. 

2.
Hoje, mergulhado na janela infinita 
que você mesma fez com madeira e tinta, fico a pensar: 
fosse a foto tremida, teria eu coragem para largar 
essa paisagem, essa vista e voltar à vida? 

Estivesse escura, sem foco, com o dedo do fotógrafo por cima, 
eu conseguiria parar de contemplá-la? Eu me salvaria? 

"Não", responde-me o coração depois de um sussurro da memória vadia. 

Porque não importa o filtro que se use ou a mais alta tecnologia: 
lá, na fotografia, nítida ou embaciada, clara ou fria, 
há uma perda que não se vê, mas que (pelo menos você) já sentia. 

Era uma época em que você sorria, e eu acreditava 
que era eu - apenas eu - que lhe dava essa alegria. 

3. 
E fico preso à janela - a que você fez, lembra? de madeira e tinta? - 
tentando entender quando e por que a perdi; 
em que lugar se escondeu a magia. 
(Filipe Couto)

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Poema 202

Da vida de verdade - essa pra valer mesmo - 
sei quase nada, Coisa Amada. 

Desconfio de algumas coisas, no entanto: 
sei que deve haver algum parque ainda verde num canto, 
um peito - sem medo, ainda aberto - me esperando, 
uma chuva, para fazer brotar da terra, 
num pranto de descoberta, um novo mundo. 

Mas nada disso é certo, Coisa Amada. 
Tudo te espera, sem saber se a tua volta (a tua chegada) é certa. 
Hoje mesmo fez um sol agudo, que me machucou muito, 
e que fez do solo algo um pouco menos fecundo. 
Admito que houve uma brisa em algum ponto no meio tarde, 
mas ela - tão fraca - nem levou sonhos ao longe, nem aliviou o que lá no fundo arde. 

Será que tens a chave de tudo, Coisa Amada? Serás tu a brisa certa, 
o parque verde, o peito aberto, a chuva fecunda, o pranto da descoberta? 

Creio nisso e aguardo o futuro, sem pressa. 
Sim, correrão dos teus olhos algumas lágrimas, quando for preciso; 
sim, teu corpo todo vai se estremecer em dias de riso. 
És tu, Coisa Amada, a força que movimenta o mundo (o meu mundo); 
E tu - só tu - sabes disso há muito: 

desde que renasci ao te ver; 
desde o início do tudo.
(Filipe Couto)

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Poema 201

No fundo dos meus olhos, 
há uma imagem que não se decifra ao espelho. 

Sei que é algo leve e triste, sem nome ou endereço; 
algo sozinho; sozinho contra o mundo inteiro. 

Sei também que às vezes é dançarino 
e se apega ao pouco ritmo que bate em meu peito; 

outras vezes é uma luz fraca, 
que luta, mas se apaga atrás das pálpebras. 

Sei, por fim, que a amo, 
mesmo que ela não se revele ou se entregue; 

eu a amo na simplicidade do não saber, nem ter; 
naquele ambíguo espaço em que a cabeça é pouca 

e a alma é tanta, 
que cabem, juntos, o medo e a esperança.
(Filipe Couto)