Eu e meu avô nascemos no mesmo dia, 22 de maio, com 55 anos de diferença. Minha mãe diz que me pareço bastante com ele: o jeito de falar, o jeito de olhar, o jeito de pensar. Convivemos pouco. Há quase vinte anos ele se foi. Outro dia, remexendo em velhos papéis, ela encontrou um caderno de poesias dele e me entregou. Minha avó disse-me que nunca soube da existência desses textos, e que nem sabia desse seu talento.
Não sei ao certo se era vontade dele um dia ver seus poemas lidos; mas, se somos mesmo parecidos, acredito que sim. Por isso, deixo aqui hoje um texto dele e, em seguida, um meu. Os estilos são bem diferentes, embora os temas sejam basicamente os mesmos.
Vô Couto...
Que Adianta
Que adianta dizer que estou sofrendo,
que me alimento mal, que não durmo enfim...?
Que adianta dizer isso, se não me estás vendo,
se agora nada, nada podes fazer por mim...?
Que adianta dizer que a noite é fria,
que a solidão me atormenta a alma,
se não vens tirar-me desta agonia,
se não vens me dar, querida, a calma...?
Que adianta odiar, me jogar ao chão,
quebrar tudo que ficar perto da minha mão,
maldizer a sorte...que adianta enfim...?
Por isso é que me vêem triste e calado:
que adianta tornar-me um revoltado,
se agora nada, nada podes fazer por mim?
(por Alceles da Silva Couto)
Sobre Esperas
A estrada vai além do que se vê
Marcelo Camelo
Não venha me dizer que vai ficar tudo bem:
ninguém tem o poder de decretar
céus azuis com borboletas coloridas
a voar entre escalas e melodias.
Não me peça fé ou paciência:
você sabe que as esperas podem ser
terríveis tragédias se o futuro
é feito de matéria escura e incerta.
A verdade é que não sei mais
se essa (talvez breve) despedida
torna esta minha vida
curta ou longa demais;
sei que, quando miro o espelho,
percebo que o tempo
já me sega com sua faca fina e fria
(e o sangue que dos meus olhos escorre
esconde até a primeira luz do dia)
*segar: cortar em tiras ou fatias delgadas; pôr termo a; acabar com.
(por Filipe C.)