percebo-me não mais à beira do abismo,
mas já completamente abismado.
Não se trata de lamento: o amante
que se penitencia para chantagear o amado;
nem de um desmaio involuntário,
uma hipnose constante diante de algo adorável,
uma imersão em tudo, uma comunhão com o sagrado,
que - suave - torna a própria vida dispensável.
A razão é outra, Coisa Amada.
Abismo-me porque não a tenho e, ainda assim,
há algo em você que se abre e me apavora:
um medo de perder a lembrança dos seus acidentes,
do olhar às vezes perdido, do riso insistente, da sua tatuagem,
da sua cicatriz, do seu corte no dente, da sua preocupação sem hora.
É tanto.
E não sei, Coisa Amada,
se é o 'tudo' ou o 'nada'
que me joga neste abismo, sem corda.
(Filipe Couto)
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