terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Poema 213

Sozinho, no sol da tarde tijucana, 
percebo-me não mais à beira do abismo, 
mas já completamente abismado. 

Não se trata de lamento: o amante 
que se penitencia para chantagear o amado; 

nem de um desmaio involuntário, 
uma hipnose constante diante de algo adorável, 
uma imersão em tudo, uma comunhão com o sagrado, 
que - suave - torna a própria vida dispensável. 

A razão é outra, Coisa Amada. 
Abismo-me porque não a tenho e, ainda assim, 
há algo em você que se abre e me apavora: 

um medo de perder a lembrança dos seus acidentes, 
do olhar às vezes perdido, do riso insistente, da sua tatuagem, 
da sua cicatriz, do seu corte no dente, da sua preocupação sem hora. 

É tanto. 
E não sei, Coisa Amada, 
se é o 'tudo' ou o 'nada' 
que me joga neste abismo, sem corda.
(Filipe Couto)

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