Sobre a mesa já velha e cansada, pousa o poeta
papel e silêncio.
À espera do verso, busca
aquelas memórias mais tímidas (e se diverte com elas).
Então, ele puxa dali um fio de história e a desenrola até poder
amarrar um sentido.
Mas poesia não é sentido.
A poesia não está no tijolo sobre tijolo (previsível edifício,
como a nossa vida bovina de ração, reprodução e rotina).
A poesia só acontece quando um pássaro
foge,
sem asas,
de um poente em chamas;
ou quando se tenta pregar
o curso de um rio
ou quando uma pedra
por ele se encanta.
Cabe ao poeta desamarrar o sentido,
e repousá-lo num escuro tão escuro
que é claro e vivo.
Pois só assim também ele pode despertar
das lembranças e plantar noutro terreno (talvez)
aquele seu primeiro beijo e logo
recolher seu sumo, não por inteiro,
mas até estar forte para
conseguir respirar apenas silêncio
e enxergar, sem surpresa,
naquele pouso do papel,
uma boia a salvar a mesa.
(por Filipe Couto)
Um comentário:
Pousar papel e silêncio...
Como não admirar o que a inspiração e o talento são capazes de produzir?
Parabéns, Filipe, pela forma e pelo conteúdo.
Um grande abraço.
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