sexta-feira, 17 de abril de 2015

Intervalo de prosa

Faz quase um ano que ela se deu ao mundo. Não aceitou companhia, nem explicou muita coisa. Pegou uma canoa pra navegar entre lágrimas e remou, remou, remou até uma terra firme qualquer, além de qualquer saudade. 

O povo todo se admirou daquela providência. Nem eu, que tão bem a sabia, tinha já me percebido dessa urgência de partida. 

Ela está lá ainda. E ninguém mais pergunta ou assunta sobre o caso. 

Mas eu permaneço: olho mirando uma mudança no movimento das águas. Pois que o tempo é coberto com uma colcha trançada de encontro e desencontro. A vida que se demora passa; a vida que passa se demora. 

Há lá fora, agora, uma esperança de chuva. O cheiro de terra molhada que ela gostava. (Nessa outra terra há também?) 

O rio vai, uma vez mais, estar cheio. 

E se ela, por percebimento, quiser remar de novo, e o barco estiver velho, os braços sem força, os olhos embaçados? 

E, por isso, a dor hoje é enorme, aberta. Uma ferida vermelha que lanço ao céu e se alastra, feito tarde de sol. Farol. 
(Filipe Couto)

Nenhum comentário: