quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Poema 175

O que é o amor senão 
o encontro do lápis com a folha branca; 

não do lápis pensado - preso a uma mão opressora,
certa do desenho - cuidadoso para não derramar
uma gota de sílaba ou de sentido fora do contorno; 

mas do lápis que, imprevisível em seu curso, 
projeta formas e linhas e retas que não existem, 
e deixa a própria folha (tão branca) sem rumo. 

O poema - lápis e papel em vida - só termina (começaria?)
quando aquele leitor ranzinza, que busca a verdade de tudo,
 
se perde mais e mais ainda.
(por Filipe Couto)

domingo, 15 de setembro de 2013

Poema 174

Depois de tantos dias, tantas noites, 
vem de novo aquela ideia fixa 
escravizar-me com seu açoite. 

Para tentar romper esse grilhão, 
grito: "Não, não posso mais vê-la!",
"Amanhã mesmo, começo a esquecê-la!" 

Armo-me, então, para o conflito. 
Reúno forças e fico à espreita, 
esperando que ela, de novo, apareça. 

(Enquanto aguardo, me repito: 
"É a última vez que passo por isso; 
mato essa ideia e tudo está resolvido".) 

Sete mil noites e sete mil dias
já se passaram (meu coração 
em permanente fome e vigília),

e a ideia não aparece;
a luta (como sempre) se adia.

Onde, meu Deus, ela se esconde?
O que pretende? Por que se distancia?

É na ausência que ela se torna mais forte,
e, sem que eu perceba, não se trata mais
de uma inimiga a ser por mim combatida.

Pelo contrário:

eu sou dela, e ela é minha.
(por Filipe Couto)

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Poema 173

Neruda, numa noite como esta, 
depois de tantos sinais fechados, 
de tantas buzinas tentando mover o tráfego, 
de tanta fumaça embaçando sonhos, diálogos, 

poderia escrever versos ainda mais tristes que aqueles de outrora: 
"A noite está estrelada, e tiritam, azuis, os astros lá ao longe". 

Porque hoje não há estrelas, nem azuis, e os astros 
são mentiras criadas por alguns malandros,
que andam enganando tantos moços e moças 
com essa fantasia de prever destinos. 

Hoje, na profusão das coisas acontecidas, 
a noite se fez mais fria. 

E quem tirita
(com a alma em fogo e agonia)
sou eu. 
(por Filipe Couto)

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Poema 172

Coisa amada – poema em três movimentos

1.
Por mais que eu me passe a limpo 
em poemas e sonhos, 

não te encontro, minha Coisa Amada
meu labirinto, meu trabalho de Sísifo.
 

Então, te invento, 
te crio.

2.
Diga: como saber quem é você,
se eu sequer sei quem sou?

(O tempo que vivo hoje é igual
a outro que passou. Mas qual?)

Recolho pelo chão roupas e dores
que são minhas, e não reconheço.

Tateio um escuro
de mim, Coisa Amada,

e tenho medo.


3.
Somos dedos da mesma mão,
filhos do mesmo delírio.

Somos um com o outro, Coisa Amada,
Quixote e Sancho contra gigantes

(e moinhos).

(por Filipe Couto)

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Poema 171

Nesta noite alta 
em que cada estrela é uma surpresa aos olhos, 

finalmente entendo que viver é isto: 
não procurar sentido. 

Pois que o sentido rápido se escapa nas tramas das mensagens, 
na timidez dos olhares, nos sorrisos escondidos. 

E o viver é mais que isso; 
é mais que caçar o vento: é amá-lo, 

ainda que ele só nos bagunce os cabelos, 
ainda que só nos deixe ciscos. 

É nosso destino (seria vício?) 
esse amar destrambelhado e irresponsável, 
esse compromisso de papel passado com o imprevisível. 

Mesmo que muito doa, viver 
é isso.
(por Filipe Couto)